Depois de interpretar o personagem Augusto, na primeira fase da novela “A Lei do Amor”, da Rede Globo, Hugo Bonemer está nos preparativos finais para viver o personagem Stu, um correspondente de guerra em YANK! - O Musical, peça dos irmãos norte-americanos Joseph e David Zellnik. Na história, Stu se apaixona pelo soldado do exército Mitch, vivido pelo ator Betto Marque. Em meio a luta pela sobrevivência nas frentes de batalha da 2ª Guerra Mundial, o amor entre os dois precisa vencer as adversidades nas trincheiras de um tempo e lugar onde todas as circunstâncias estão contra eles.
- Interpretar um personagem que vive uma relação homoafetiva, pra quem não estiver enfermo, é natural, como deve ser em qualquer história de amor. A dificuldade real está em viver as nuances de um relacionamento que brota em meio a uma guerra, um ambiente de morte e medo constante. A homofobia, como todo preconceito, é uma doença, mas essa o amor cura - conta Bonemer.
A montagem de YANK no circuito Off-Broadway aconteceu em 2010 e rendeu 7 indicações ao Drama Desk Awards (incluindo Melhor Musical), assim como indicações de Melhor Musical no Outer Critics Circle Award e The Lucille Lortel Awards.
- Há 4 anos, comecei a procura de alguma peça teatral que tocasse em um tema que acho muito importante trazermos para discutir na sociedade: a homoafetividade. E foi a partir dessa pesquisa que eu e um amigo descobrimos YANK!. Além de ser uma história linda, passada durante a Segunda Guerra Mundial, onde dois soldados norte-americanos se apaixonam, ainda é um musical. Juntei o útil ao agradável. Este projeto era uma chance de estabelecer um diálogo com toda sociedade carente de representação e que sempre desejou ver os seus sonhos e sua voz trazida à tona. Estamos em uma época única da história mundial, em que essa questão pode ser abordada de maneira direta, pois transcende as barreiras de nacionalidade ou de gêneros artísticos, sendo do interesse do grande público – fala Leandro Terra, que também integra o elenco, além de ser o idealizador e produtor do espetáculo.
Esta será a primeira montagem mundial que não será na língua inglesa, além de ser a estreia latino-americana da produção. Em março, aconteceu a estreia europeia, em Manchester, na Inglaterra.
- O que me motiva nesse espetáculo é descobrir, através desses personagens, a possibilidade de amor em tempos de ódio. Sinto que a intolerância, o ódio e a agressão continuam sendo as energias motrizes de nossos corpos. A Segunda Guerra ainda continua através da intolerância diária em nossas grandes cidades. Parece que não aprendemos nada. Sinto que aceitamos a guerra e sabemos pouco sobre amor e empatia – diz Betto Marque (intérprete de Mitch).
- Antes da guerra, milhares de gays americanos, de diversas cidades de interior, pensavam ser únicos no mundo. Quando os Estados Unidos reúnem essa gente toda na guerra, eles descobrem que não estão sozinhos. Nunca estiveram. "Então nem todo mundo nasce heterossexual?" Cada pessoa nasce diferente? A sexualidade não é uma construção, mas uma condição natural? O que está nos impedindo de ser feliz? Mesmo num ambiente hostil, formam-se milhares de casais, felizes com a descoberta de que "é real, e é normal". Quem era descoberto ia preso, mas podia escolher ir para a linha de frente, de onde cerca de 80% dos soldados não voltavam. Os que sobreviviam começaram a migrar para São Francisco. Anos depois, o bairro de Castro, em São Francisco, vem a se tornar símbolo de resistência. Enfrentou a polícia, que fechava seus estabelecimentos e colocava gays na cadeia, apenas porque sim. Não é um fato isolado. Esses caras eram ex-militares! Sobreviventes de guerra! Quem era doido de mexer com eles? A história que contamos é o começo do movimento de clareza e proteção à comunidade LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais) nos Estados Unidos. Faz parte da história mundial contemporânea por liberdade e me sinto honrado em contar – revela Hugo Bonemer.
A versão de Gustavo Fonseca
O amor e a guerra
YANK! - O Musical, dos irmãos norte-americanos David e Joe Zellnik, revela o primeiro amor durante a guerra entre Mitch(Betto Marque) e Stu (Hugo Bonemer), sob direção de Menelick de Carvalho. A história de amor secreto entre dois soldados. A trama delicada mescla pontos cômicos e densos é bem sustentada pelos excelentes atores. A montagem realizada no Teatro Municipal Serrador de Quinta a Sábado às 19:30 teve sua estreia bem executada e emocionante, a temporada vai de 10 de junho e permanece até 01 de julho.
A primeira montagem foi realizada no Festival de Teatro Musical em Nova York em 2005, e após duas temporadas em 2007 e 2008somando boas críticas, Yank! estreouno circuito off-Broadway em 2010.O autor David Zellnikem intensa pesquisa buscoucartas, diários e relatos de veteranos gays (e héteros) e familiaresque experienciaramo modo como homossexuais viveram no período guerra para construir estas personagens ficcionais. A inspiração para esta obra surgiu do desejo de apresentar o tema recorrente sob uma perspectiva histórica. Para isso se apropriou dos estilos musicais da época.
A política americanadon’task, don’ttell, em livre tradução (sem perguntas, sem respostas), era uma forma de controlar a vida privada da corporação, de modo que qualquer um com comportamentos explicitamente homossexuais eram afastados dos campos de batalha.
Através de financiamento colaborativo foi possível a realização deste espetáculo, após anos de tentativas. Leandro Terra, ator e idealizador do projeto conseguiu realiza-la contando com a arrecadação no Catarse, e apoio de empresas que apoiam a comunidade gay.
Primeira montagem no Brasil
O conceito aberto foi uma escolha estética que possibilitou aproveitar cada milímetro da caixa cênica do pequeno palco do Teatro Serrador, que reuniu talentos grandiosos. O espetáculo possui uma temática relevante à guerra recorrente que a comunidade LGBT enfrenta, e é uma obra sensível e com desdobramentos surpreendentes que apesar das canções marcantes e trama aparentemente previsível pode ser considerado o melhor musicalque aborda esta temática neste ano.
A montagem é bem sucedida por pela equipe competente. A técnica e talento de Hugo Bonemer e Betto Marque, revelam com uma interação precisa e tocante. O espetáculo começa com o solo de Betto Marque, que embora alguns deslizes na abertura, no decorrer do espetáculo revela-se um notável intérprete. Hugo Bonemer é um dos atores mais brilhantes que tive o prazer de ver na cena musical. Os pontos de clímax do espetáculo que carregados de complexidade são bem sustentados.Conrado Helt e Dennis Pinheiro destacam-se, pois além de possuírem um timbre vocal singular, apresentam propriedade em suas escolhas que transbordam verdade, em contraponto aos sotaques dos personagens de Chris Penna e Leandro Melo que tornaram-sede difícil compreensão da cena em alguns momentos, mas embora este detalhe, possuem bom tempo cômico, assim como Bruno Ganem e Leandro Terra.
Os números musicais daFernanda Gabriela tornam-se previsíveis e repetitivos, pelo signo do palco no palco. Sua excelenteatuação, e voz belíssima, levam até a ignorar os seus figurinos de cores e texturas e formasarriscadas. Há uma questão nosnúmeros de sapateado, que não foram impecáveis, destoando de todas as outras coreografias de Clara da Costa, recheada de movimentos e posições militares, de forma divertida e bem executada pelo elenco.
As versões de Menelick de Carvalho e Vitor Louzadaestão no ponto. O que possibilitou a fácil interação a trama, de forma coesa e divertida. O jogo de sombras criado por Luiz Paulo Nenenno beijo ao fim do primeiro insere uma poesia que possibilita a qualquer espectador se relacionar com este amor de silhuetas que podem ser lidas como qualquer casal que se ama.
Excelente estreia!
O que há de melhor nesta montagem é a qualidade técnica da equipe, ainda que seja necessário aprimoramento aos detalhes. A força em que Hugo Bonemer permite entregar-se a este personagem é notável. A direção do espetáculo de Menelick de Carvalho revela domínio de sua função ao abordar a temática com delicadeza e olhar apurado sobre o estilo clássico dos musicais. Recomendo.
Por Gustavo Fonseca